15 dezembro, 2008



Vou explicar de novo, talvez não me tenha feito entender.


Quero você pra mim, mas isso não lhe dá o direito de agir como quiser. Lembre-se: sentimentos pedem correspondência, e se não nutridos, na melhor das hipóteses, morrem. Não se engane: quando ligo e você não atende, quando falo e você não ouve, quando olho e seu olhar desvia, algo acontece: não há pedido de desculpas, ainda mais quando repetido à exaustão, capaz de curar todas as feridas; se quer curar todas, aja como quem quer curar todas.
Talvez eu veja agora o que já deveria ver desde o início: que nenhum amor deve ser maior que aquele por si mesmo, e que nisto nada há de narcisismo; apenas a constatação de que, em todas as instâncias, é apenas conosco que podemos ter a certeza de sempre estar, a todo dia, em todas as horas, e que da nossa companhia é impossível fugir; assim, da mesma forma, é impossível fugir das cobranças que nos fazemos. Talvez agora eu veja que o egoísmo não é somente introspecctivo, mas também se mostra quando o outro parece-nos mais importante do que aquilo que nos compõe. Talvez eu tenha visto que as noites de choro, o entorpecimento do vinho e os ouvidos amigos não são opção de destino para aquilo que pretendia lhe oferecer.
Talvez eu tenha visto que a quero pra mim, mas não a qualquer preço.

Coloco-me onde devia estar: como quem a vê, como quem a quer, mas como alguém que responde àquilo que recebe.

Minha espera, agora, é em movimento.
Renato Alt , in Outono

04 dezembro, 2008

O mito romântico

Imaginemos uma vida em comum para Romeu e Julieta...
Julieta - Pô, Romeu, bebeste de novo? Não há um dia em que não vais à taberna. Quanto azar o meu.
Romeu - Ó criatura, não percebes que odeio discutir quando estou de ressaca?
Julieta - Tu bem sabes, ó Romeu, que há meses estou sufocada. Não aguento mais pensar e rimas e em palavras rebuscadas para justificar nossa convivência mal fadada. E tu vens cheirando a vinho barato, deixa esse monte de roupa jogada no chão, pões suas galochas em cima da mesa, e queres o controle remoto só para ti...
Romeu - Julieta, tu que já fostes minha amada, agora não passas de uma mulher grossa e mal-humorada. Sem falar que engordou, não se cuida como deveria. Pra não dizer que me negas sexo e estou subindo pelos alpendres...
Julieta - E chega de rima, caralho! Não aguento mais ter de pensar em tempos verbais e em palavras que já sumiram do dicionário.
Romeu - Se não estás feliz por que não desces do castelo e se vai?
Julieta -Epaaaaaa! Seu Montequiozinho de merda. Tá esquecendo que quem financiou esse castelinho aqui fora meu pai???? E ele tinha razão, Ó Deus. Não devia ter me envolvido com vós. Mas, veio com aquele papinho de lábios de peregrino, e eu caí... Aiiiiiii, como sou burra viu. A gente não devia ter mudado o curso de uma história que deveria existir por gazilhões de anos. Todo mundo ia acreditar que seríamos felizes para sempre. Quem mandou enganar o escritor e não tomar a porra do veneno?
Romeu - A idéia e enganar William foste tua, lembra-se? Tal qual a mulher engana a Deus e o diabo...
Julieta - Ah Romeu, sejas homem de uma vez. Wiliam fez coisas melhores depois. Ninguém mais engolia aquele choro, o desepero ao me ver deitada e sacar o veneninho do bolso pra me acompanhar até a eternidade. Agora, tu não vais comigo até a esquina.
Romeu - O enganado fui eu, ó serpente! Na literatura não havia referência a sua TPM. Tu eras uma flor, uma pequena muito doce. Agora, virou esse sargento de corselet.
Julieta - Romeu, vc era um EMO!!! O mundo é outro agora. Não se chora mais por amor, entendes? Chora-se pela queda das bolsas, os EUA elegeu um negro para presidente. Em que tempo vives?
Romeu - Mas eu não quero mudar. Quero continuar fazendo meus versos, e morrendo de amor no fim, como deveria ser. Mulher, tens mania demais! Queres tudo. Vc me amava como eu era. Bastou o matrimônio para que queiras me modificar. É sempre assim, os homens casam, querendo que suas mulheres jamais mudem, e as mulheres se casam crendo serem espertas o bastante para mudá-los.
Julieta - Está vendo? Você deve estar lendo Martha Medeiros aos domingos.
Romeu - E sou crucificado pela minha sensibilidade? Que mal há em querer continuar do mesmo jeito que nasci? Eu gosto de beber nas tabernas, gosto de ver o Vasco na TV, choro no Arquivo Confidencial do Faustão, aprecio as mesas redondas, detesto lavar louça, não sou bom em DRs como você. Custa deixar-me em paz no sofá?
Julieta - Muito me custa, Romeu. Quero o divórcio.
Romeu - Estás usando aquela erva de novo? Não temos divórcio neste reino, insana criatura. Pegue seu escorpião de estimação e cala-te. Quem sabe desta vez para todo o sempre...
Julieta - Vou para casa de minha mãe. Tu tens duas semanas para arrumar um lugar. Vou vender este castelo e com a metade vou correr mundo, ser livre, Romeu. Não quero mais ficar presa a um mito romântico e neste caso semântico.
Romeu - Então vá, enquanto a minha prece eu executo. Mas não aporrinhe-me mais. Com minha metade vou encher a adega de vinho, comprar uma TV de plasma com tantas polegadas que a quilômetros saberão o que assisto, vou pegar umas putas e comê-las-ei a hora que quiser. E se mais alguma mulher atravessar meu caminho com lábios que tentam me absolver, preferirei ser condenado ao pecado até o fim dos meus dias.
Julieta - Pára de drama, ô palhaço. Me vou agora. Não me procure mais, esqueça meu nome e o endereço do meu jardim. Serei livre para viver o que eu quiser. Quanto a vc, morra!
Romeu - Já fizemos isso, lembra?


ai, ai, ai... relacionamentos...
Daqui ó: http://www.alicedescedolustre.blogspot.com/
"Ponto final é um ponto e só, só formaliza o fim do que chegou ao fim. Interrogações não, elas se engancham e não largam e teimam em ficar de pé sobre um minúsculo buraco negro."

René de Paula Jr.
Foto: John Cassavetes

02 dezembro, 2008

O amor é uma coisa, a vida é outra...

Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar..A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra.
Elogio ao amor (Miguel Esteves Cardoso - Expresso)