30 novembro, 2007

Acho que é isso...

Não que eu te ame assim de corpo inteiro, assim até por entre os intervalos dos dedos, por debaixo da carne, impregnada e torpe, embebida e infestada como que acha em si um fundamento outro alheio à própria composição, um esqueleto do vento que sopra do próprio hálito. Não que eu te ame, nessas coisas tolas e miúdas, ínfimas e medíocres, ordinárias e despiciendas que enchem os dias, preenchem horas, desperdiçam anos, como o modo que teus dedos mexem pontuando as tuas frases, ou como variam os intervalos dos teus piscares de olhos conforme o assunto de que tratas, conforme teu entusiasmo, conforme a intensidade da luz. Não que eu te ame, nas minimidades e pequenas tragédias, no burilar do tempo, na suspensão triste que permeia as contrariedades despercebidas, os resíduos de fracasso que se agregam à memória dos dias. Não que eu te ame, não.
Patrícia Antoniete

25 novembro, 2007


"Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
E daí? Eu adoro voar!"


Clarice Lispector


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P.S: Pensamentos... desejos... saudades...
Ai, ai, ai... Lá vou eu outra vez!


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21 novembro, 2007

Esquecer...

A capacidade de esquecer é o que existe de mais precioso sobre a face da Terra, sob nossas faces. Amar é indubitavelmente mais magnânimo, mas não é tão essencial quanto o esquecimento: é ele que nos mantém vivos. O amor torna a paisagem mais bonita, mas é o bálsamo curativo do esquecimento que nos faz ter vontade de abrir os olhos para vê-la. A paixão empresta um sentido quase mítico aos dias, mas é esquecer a excruciante tristeza perante a morte dela que nos torna aptos a nos encantar novamente dali a pouco. Já esqueci amores inesquecíveis e sobrevivi a paixões que, tinha convicção, me matariam se terminassem. Às vezes, cruzo na rua com fantasmas que já foram bem vivos na minha história e não deixo de sentir uma certa melancolia por perceber que aquele rosto um dia pleno de significado se tornou tão relevante quanto um outdoor de pasta de dente. Algumas pessoas simplesmente são apagadas da memória como filmes desimportantes. Sem maldade ou intenção, apenas esmaecem até desaparecer. É mesmo impossível manter na memória da pele todos os que passaram por nós ou sermos mantidos por todos: gente demais, espaço de menos... O passado deve ser mantido no lugar dele e não trazido nas costas feito mochila de viajante, lotada com os erros cometidos e alegrias jamais revividas. Para ser feliz é necessário pouca coisa além de se livrar do excesso de carga e esquecer as coisas certas. É útil também jamais perder de vista um detalhe, afixá-lo no espelho do banheiro, repeti-lo como um mantra: absolutamente nada é para sempre, nem mesmo os sentimentos que parecem ser (a vida seria um lago estagnado se só existisse o perene). Nunca mais haverá amor como aquele? Ótimo, porque o novo é tão imenso que seria um desperdício se algo se repetisse. Todo mundo passa. E é bom que seja assim.

( Ailin Aleixo )

15 novembro, 2007

Tudo acaba. Até a solidão.

13 novembro, 2007

Pneumotórax -
Manuel Bandeira

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

12 novembro, 2007


Diz-se que a estrela-do-mar é o organismo com maior poder de regeneração. Discordo: penso que é o ser humano.

08 novembro, 2007

Crime Passional


"você eu fui matando aos poucos. um dia depois do outro. bem devagar. deixei de perguntar. deixei de dizer. deixei de avisar. dobrei cobertores, empilhei discos, escondi travesseiros e fotografias. separei o que havia em dupla. livrei-me do que era único. usei as costas de bilhetes essenciais. varri todos os pêlos pra debaixo dos lençóis. abafei as minhas vontades com mãos postas em desespero. o telefone se esganando por um fio. fumei páginas e páginas da tua Bíblia. mudei horários. recolhi documentos. mandei recados. voltei aos ovos fritos e às notícias. comecei a passar reto onde fazia curva. fui matando você assim. devagarzinho mesmo. agora você está completamente assassinada."


Fernando Bonassi
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros.
Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema.
Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:Trouxeste a chave?

fragmento de “Procura da Poesia”, Drummond

07 novembro, 2007

Apenas goste de mim.

...
Apenas goste de mim. Me sorria discreto quando todo o resto do mundo não estiver olhando. E me sorria também quando todo mundo olhar, com um jeito de quem faz piada interna, pra que eu me sinta mais importante que o resto.Goste de mim mesmo de óculos e cabelo preso pra cima, goste de roupas específicas do meu guarda roupa. Goste das minhas palavras, do meu jeito criativo de elogiar, das minhas menores ou mais elaboradas declarações de amor. Não aceite todos os meus depoimentos, mas não tenha coragem de apagá-los.Goste das coisas que eu não gosto no meu corpo, adore as que eu já aprendi a gostar. Guarde as minhas mãos nas suas com cuidado, segure meus pulsos como se fossem realmente frágeis, mas me aperte com força me puxando pelos cabelos como se quisesse se fundir em mim. Me deseje em momentos inoportunos, me leve embora no meio da festa só porque não pode esperar mais. Me entenda sem palavras, me repreenda em silêncio de vez em quando, porque no fundo eu preciso sentir que pertenço a alguém. Goste das minhas piadas e incorpore-as ao seu vocabulário. Faça as suas.Goste de música. Pelo amor de Deus, goste muito de música, entenda de música e tenha bom gosto. Toque violão, guitarra, baixo, bateria, qualquer coisa. Goste de Los Hermanos, mesmo que não assuma. E goste da minha voz, principalmente quando eu cantar baixo e só pra você.Goste de me olhar. Dançando, lavando louça, lendo, bebendo, falando. Me desconcerte com esse olhar insistente. Procure as minhas mãos por debaixo de mesas e cobertores.Seja meu maior cúmplice. Ame a minha vitrola e meu carro velho, meus óculos vermelhos, meu cabelo. E goste também dos meus silêncios, ou pelo menos entenda-os.Me compre doces, respeite minha TPM, enxugue minhas raras lágrimas. Beije meus muitos sorrisos.Goste dos meus amigos mas saiba enxergar os defeitos deles. Respeite. Goste dos meus pais e de quem estiver com eles. Mas fique sempre do meu lado.Goste de mim do jeito que eu sou e do jeito que vou me tornando a cada dia. Goste de mim, com doçura, com força, com sinceridade. E só.

Texto sem título de F. Reis, que escreve no Ventura (http://ventura1.blogspot.com/)

Linus sings - The Police

Eles são fofos!!!

06 novembro, 2007

Li por aí:

"A gente é sempre devolvido pra si mesmo."
"...Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz.”

A História de Lily Braun, Edu Lobo e Chico Buarque

P.S: Está tudo muito bom, só não queria estar com esse traço melancólico. Dias de ver passar o dia...

03 novembro, 2007

Coisas que eu sei
Danni Carlos


Eu quero ficar perto de tudo o que eu acho certo
Até o dia em que eu mudar de opinião
A minha experiência, meu pacto com a ciência
Meu conhecimento é minha distração
Coisas que eu sei
Eu adivinho sem ninguém ter me contado
Coisas que eu sei
O meu rádio-relógio mostra o tempo errado... aperte o ‘Play’
Eu gosto do meu quarto, do meu desarrumado
Ninguém sabe mexer na minha confusão
É o meu ponto de vista, não aceito turistas
Meu mundo tá fechado pra visitação
Coisas que eu sei
O medo mora perto das idéias loucas
Coisas que eu sei
Se eu for eu vou assim não vou trocar de roupa... é a minha lei
Eu corto os meus dobrados
Acerto os meus pecados
Ninguém pergunta mais... depois que eu já paguei
Eu vejo o filme em pausas
Eu imagino casas
Depois eu já nem lembro do que eu desenhei
Coisas que eu sei
Não guardo mais agendas no meu celular
Coisas que eu sei
Eu compro aparelhos que eu não sei usar... eu já comprei
As vezes dá preguiça
Na areia movediça
Quanto mais eu mexo mais afundo em mim
Eu moro num cenário
Do lado imaginário
Eu entro e saio sempre quando to a fim
Coisas que eu sei
As noites ficam claras no raiar do dia
Coisas que eu sei
São coisas que antes eu somente não sabia...
Agora eu sei