30 novembro, 2006

Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem que seja assim, e não vamos nos ocultar e obscurecer isto, como se fosse motivo de vergonha. Somos dois barcos que possuem, cada qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver chegado o seu destino e ter um só destino. Mas então a toda poderosa força de nossa missão nos afastou novamente, em direção a mares e quadrantes diversos e talvez nunca mais nos vejamos de novo ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram! Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é lei acima de nós: justamente por isso devemos nos tornar também mais veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma órbita estelar em que nossas tão diversas trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos elevemo-nos a esse pensamento! Mas nossa vida é muito breve e nossa vista muito fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. E assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos que ser inimigos na Terra.
Nietzsche

26 novembro, 2006


"Leve, leve, muito leve.
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso,
Nem procuro sabê-lo."

Fernando Pessoa

20 novembro, 2006

"Faço o papel sem dificuldade. A água flui, vai para frente. Isto também vai passar. Mas não compreendo. Então um lado meu pensa: é sina, é fado, é destino, é maldição. Outro lado pensa: não, é mera neurose, de alguma forma sutil devo construir elaboradamente essa rejeição. Crio a situação, e ouço um NÃO. Desta vez, eu tinha tanta certeza. E penso: os deuses me traíram, os búzios me atraiçoaram, as cartas me mentiram. E me sinto velho e cansado, e tiro toda a roupa preta guardada nos armários - e tudo não deixa de ser teatral, meio engraçado. Mas há também uma dorzinha verdadeira no fundo. A pequena gota de sangue, como um rubi. E me baixa o peso do tempo, e dos 38 anos, e dos cabelos caindo, e tudo indo embora e fugindo e se perdendo - e o amor sem acontecer, quando estou assim todo maduro, e limpo, e pronto, e luminoso como uma maçã no galho, pronta para ser colhida. Ninguém estende a mão para a maçã, pouco antes de começar o processo de apodrecimento." CFA

13 novembro, 2006

Peito Vazio -
Cartola e Elton Medeiros

Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto
Em meu peito um vazio
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio.
Procuro afogar no álcool
A tua lembrança
Mas noto que é ridícula
A minha vingança
Vou seguir os conselhos
De amigos
E garanto que não beberei
Nunca mais
E com o tempo
Essa imensa saudade que sinto
Se esvai

08 novembro, 2006

"... O mundo das paixões é o mundo do desiquilíbrio. É contra ele que devemos esticar o arame de nossas cercas. Cuidem-se os apaixonados afastando dos olhos a poeira ruiva que lhes turva a vista... É através do recolhimento que escapamos das paixões..." - Raduan Nassar - Lavoura Arcaica

06 novembro, 2006

Toda saudade
Gilberto Gil - 1984

Toda saudade é a presença
Da ausência de alguém
De algum lugar
De algo enfim
Súbito o não
Toma forma de sim
Como se a escuridão
Se pusesse a luzir
Da própria ausência de luz
O clarão se produz
O sol na solidão
Toda saudade é um capuz
Transparente
Que veda
E ao mesmo tempo
Traz a visão
Do que não se pode ver
Porque se deixou pra trás
Mas que se guardou no coração

03 novembro, 2006


"A salvação pertence apenas
àqueles que aceitaram
a loucura escorrendo
em suas veias."
(Caio F.)